sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A TV que não te vê

Samuel Guimarães
Aluno do 4° período do curso de Jornalismo da PUC Minas





Em casa, no sofá, uma garota de 22 anos está desanimada. Sente-se feia e longe do glamour. Ela não foi escolhida para brilhar na tela da plin-plin. Não tem corpaço, não faz bronzeamento artificial, não lê Vogue nem outro livro qualquer. Ah, é estudante de uma faculdade desconhecida. Outros muitos se sentem rejeitados e se perguntam por quê.

Recentemente, estreou a oitava edição do programa Big Brother Brasil. Arrepios ou suspiros, depois de meses de preparativos e testes para a escolha de candidatos, a turma já está no ar e topa qualquer negócio. São moças e rapazes, pinçados numa multidão de candidatos, com promessas de cumprirem o gosto visual do brasileiro. Pernas e peitos torneados, peles bronzeadas, sorrisos brancos, muito gritinho e badalação.

O que é o programa, senão um voto de confiança à ditadura da beleza? Os jovens, confinados dentro de si, são preparados fisicamente para atrair olhares, além de atraírem audiência e comerciais lucrativos. Três pontos a indagar: essa galera foi mesmo escolhida entre milhares de brasileiros desesperados por fama e dinheiro? O único negro é para cumprir quota? Até onde vai a influência da TV em nossas vidas?

O filósofo francês Michel Foucault, em sua obra Vigiar e punir, com originalidade e profundo senso crítico aborda o secular problema da resposta social ao crime. Vigiamos e somos vigiados. No final, somos punidos (ou glorificados) pelas ações. O ser humano virou cifra, nota de rodapé, talvez um arquivo.

A teoria pode se encaixar no teatro da Rede Globo. Os atores são vigiados e julgados o tempo todo, e também vigiam e julgam o tempo todo. O castigo é a desclassificação. É um constante vigiar e punir exercido pelo olho mágico de câmeras que entram até onde não deveriam.

Desde a época de Michael Jackson, ícone da imagem, a aparência teve um boom. O cantor mexeu tanto em sua figura que saiu desfigurado. Vários artistas fazem o mesmo e se esquecem de que suas condutas podem guiar as de seus fãs. Eles fazem crer que está tudo normal.

A menina do sofá continua triste, e vê, sem piscar, o teatro da vida como não é. Diz que gostaria de ganhar o prêmio milionário para mudar de bairro, comprar um carro e várias bolsas, além de poder andar maquiada e protegida por óculos escuros. “Quero ter a pele da Xuxa!”. Um sonho.

De olhos abertos, a alma da moça treme de vontade. É beleza demais na telinha. Sonha com castelos não só de areia, príncipes em cavalos brancos e estrelas cadentes em noite enluarada.

“Alice, você sabe de onde vem tanta beleza?”

Ela não pisca... Não responde. O Big Brother já começou.